terça-feira, abril 16, 2024
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Entrevista: Com os autores de Arcânia – Terra Plana

A Orc & Roll acredita no RPG brasileiro. Não só por existirem autores incríveis com as mais variadas visões criativas, mas também por causa dos jogadores de ótima qualidade espalhados pelas terras tupiniquins.

Por essa razão, a Orc & Roll inaugura essa coluna. Com o intuito de divulgar o trabalho desses autores e oferecer a oportunidade de aprendizado para nossos leitores, nela, entrevistaremos autores brasileiros sobre suas visões de Game Design e recursos de contruções de narrativa.

Nossos primeiros convidados são os autores de Arcânia – Terra Plana, Marconi ‘kbessa’ e Thiago Croft.

Capa da divulgação oficial.

Quem está por trás do RPG de mesa Arcânia – Terra Plana e há quanto tempo vocês estão envolvidos com RPG?

Duas pessoas, Marconi ‘kbessa’ e Thiago Croft. Desde 2002 escrevemos material sobre o cenário. Desde os primeiros reinos, raças, classes e o que foi culminando no nosso Guia Básico que será publicado agora em setembro de 2019, 17 anos depois! Além de suplementos futuros que já estão sendo preparados.

Desde 2002 tivemos mesas testes: tanto mestrando, como jogando. Depois com jogadores nossos – beta testers – lendo e também mestrando, apontando ajustes e melhorias. Esses 17 anos de críticas construtivas, erros, testes e acertos culminaram na versão final do Arcânia, que será publicada agora em setembro de 2019.

A princípio abordaríamos uma versão de nossas raças e classes para ser usada no D&D, mas o mundo e regras foram crescendo conforme foram sendo jogados e criados. Com isso, o Arcania se tornou um sistema d20 próprio com mecânicas exclusivas. Quem já conhece o d20 irá se familiarizar com muita coisa – talvez estranhar outras. O feedback tem sido extremamente positivo, principalmente pelo grau de realismo, ainda que em um mundo fantástico. Entre os exemplos dessas mecânicas realistas podemos citar: cansaço; penalidade por ferimentos; e muitos outros. 

Arcânia – Terra Plana além de um cenário, utiliza a licença aberta do sistema D20. Por que vocês optaram por esse modelo?

Por ser o mais difundido e conhecido. A ideia não era criar regras, e sim utilizar o que já existia, fazendo pequenos ajustes para que melhor se adequasse à proposta do jogo em si.

Quando começamos a escrever os primeiros reinos, raças e classes do Arcânia, o D&D estava na 3ª edição e já saindo a edição revisada, 3.5. Este foi nosso ponto de partida. Quando a 4ª e 5ª foram lançadas, já tínhamos o nosso sistema sólido e com tudo pronto,  então nada foi aproveitado dessas novas edições.

Além disso, o sistema D20 usado em Arcânia – Terra-Plana busca inspirações, também, em diversos outros já publicados. Tentamos mesclar elementos que gostávamos de mecânicas diversas, de modo a agilizar e dinamizar a experiência do jogo. Preparem-se para batalhas épicas, realistas e sangrentas.

Vi que vocês decidiram fazer 20 classes no livro base do seu sistema, o que vai contra a tendência dos cenários já benchmark de mercado. Por quê?

Maior diversificação e escolha ao jogador. Sentíamos que, nas primeiras versões, o jogo estava amarrado e preso: todo guerreiro era igual, todo mago era igual, e por aí vai. Com as 20 classes básicas – além de oferecer ao jogador um leque maior de escolhas –, é possível povoar o mundo com classes antes deixadas exclusivamente para PDMs, como o Aristocrata e Especialista, agora jogáveis e com poderes de classe próprios – dando mais utilidades recursos ao grupo.

Ilustrações disponíveis no site oficial do sistema.

Além das classes básicas, adotamos no Arcânia a mecânica de Talentos de Prestígio. No d20 usual, é comum o uso de classes de prestígio, contudo, sempre enxergamos isto como um desvio do caminho e – muitas vezes – o jogador o usava apenas para ganhar um poder de classe ou outro. No nosso sistema, a proposta é que o jogador foque em seu personagem, atribuindo uma especialização, cumprindo os pré-requisitos e liberando habilidades específicas, mas sem necessariamente sair daquela classe inicial.

Outra mudança que adotamos no Arcânia em relação ao d20 ocorreu na mecânica de multiclasse. Como no nosso design todas as classes básicas estão fortalecidas para funcionarem por si só, sem dependência de itens mágicos, a mesclagem de classes iniciais gera penalidades de XP. Optamos por essa mudança tanto para o balanceamento de mecânica, quanto para expor o desvio interpretativo, o personagem deixa de ‘treinar’ naquela profissão, para se dedicar a outra. E isto foi transformado em elementos mecânicos de jogo: no caso, na penalidade em pontos de experiência.

Conte melhor como foram os playtests. Com as novas publicações internacionais vindo totalmente fundamentadas nisso, acabou se tornando um dos aspectos mais importante em game design de RPG hoje em dia.  Como foi esse processo?

Como jogamos desde o ensino médio, época que havia tempo para jogar todo final de semana, foram muitas sessões. E a cada nova sessão surgiam ideias de novidades e adaptações que havíamos criado para o sistema de jogo.

Após ter praticamente tudo já adaptado para o Open Game License (OGL), como as classes e as classes de prestígio, decidimos fazer do zero, e reescrever classes, raças e a partir da nossa própria mecânica. Acredito que todo esse processo levou um ano. Os playtests nunca deixaram de ocorrer ao longo desses 17 anos (e acontecem até hoje). Mantemos grupos fixos com nossas mesas de jogos que acontecem constantemente experimentando novas formas e instâncias de jogo.

Após algum tempo começamos a experimentar e testar funções específicas. Jogar em um único reino, jogos temáticos (como aventuras orientais, piratas e outros). Como resultado desses testes, descobrimos que o Arcânia não só cumpre com o que ele se propõe, mas vai muito além!

Por exemplo, o mundo é vasto (quatro vezes maior que o planeta Terra) e dá margem para aventuras como: Capa & Espadas; Alta Magia ou Escassa; Tecnologia steampunk ou alienígena; Psiquismo de diversos tipo; ou, até mesmo, uma mesclagem disso tudo. 

Construímos reino por reino, com seus próprios avanços tecnológicos e mágicos. Ou seja, enquanto em um ponto do mundo existem máquinas avançadas, veículos voadores e tecnologia de ponta, outros mal se conhece a roda! O mesmo ocorre com a magia, em alguns existem arquimagos e toda a cultura se baseia nela, já em outros, ela é pronunciada com medo e muitos desconhecem sua existência.

Passou pela cabeça de vocês fazer algo mais voltado ao modelo GEL?

O jogo sempre foi pensado para ser uma proposta de lazer, onde todos sentem e passem algumas horas interpretando heróis aventureiros e se embrenhem em um mundo de aventuras realizando as mais diversas missões ao redor do mundo plano.

Creio que a parte mais pedagógica que o Arcânia ensinará é a cooperação real entre os personagens. O jogo é feito para heróis aventureiros. Para implementar essa proposta, adotamos as nove tendências do d20 e o nosso Guia Básico exemplifica o que cada uma delas significa. Por ser um jogo focado em heróis, se o jogador chegar a qualquer tendência maligna, perderá o personagem. Tendências como Leal Mal, Neutro Mal e Caótico Mal são excelente para serem utilizadas como vilões: mas apenas vilões. Embora jogadores possam cometer atos vis – já que ninguém é santo –,  muitas ações neste tipo , pouco a pouco, o levará ao ‘lado negro da força’. E, consequentemente, ele perderá o personagem.

Outro resultado dessa proposta de construção com os jogadores para os jogadores foi uma raça que teve seu planeta destruído e se refugiou em Terra-Plana: os Elwins. Além de serem párias alienígenas, a reprodução deles não é sexuada, eles se reproduzem por meio do psiquismo. Por essa razão, pode haver membros do mesmo sexo se reproduzindo, pois basta ter um vínculo psíquico. Ao apresentar a mesa para jogadores iniciantes, passei as raças e classes e um deles escolheu os Elwins e, em seu background, colocou que era filho de duas mães. Uma sacada toda dele, sem influência alguma minha, apenas pela leitura e entendimento da proposta do material.

Pegando a deixa nessa questão de bom e mal. Na vida real é muito difícil encontrar critérios que definam o que cada um é, tanto que em vários casos o bom para uma visão é o oposto se olharmos de outro ângulo.  Como isso é materializado no jogo? Existem regras para o jogador ter imersão disso? Por exemplo sentir que agir como um antagonista do mundo é algo ruim. 

Conforme falei anteriormente, existem 9 tendências. A proposta é que elas sejam direcionamentos de interpretação. Além disso, existem códigos de conduta, como os Paladinos, que devem sempre ser justos, bondosos e tudo o mais. Ou até mesmo Assassinos, que não podem ser necessariamente bondosos, mas também não precisam ser malignos. É possível trabalhar em tons de cinza. Ninguém será totalmente bondoso ou totalmente maligno, mas, conforme a escala caminhar mais para um lado, ele deverá assumir que seu alinhamento pesou para esta tendência (mais maligna ou benigna).

Uma coisa é o grupo de aventureiros que sai e caça monstros não civilizados. Agora, entrar em uma vila e dizimar orcs por serem orcs é outra. Eles não fizeram nada contra os personagens, apenas vivem sua vida pacata ali, estão sendo mortos apenas por serem quem são? Isso pode e deve  ser levado em conta, os jogadores precisam ser avisados disso e apontados que estão mudando de lado, como é popular no meio geek/nerd “indo para o lado negro da Força”.

No entanto, a diversão vem em primeiro lugar. Se é senso comum de um grupo, entre mestre e jogadores que eles podem sair matando e pilhando tesouros e nada disso afetará suas tendências como um hack and slash dos videogames, ok, este é um estilo de jogo. Mas sempre gostamos de apontar o peso das escolhas e que a decisão dos personagens pode influenciar povoados e às vezes até mesmo reinos inteiros.

É aí que nascem os verdadeiros heróis.

Para estruturar o balanceamento entre as diferentes classes que métodos, frameworks ou fórmulas vocês utilizaram?

Tentativa e erro. Como foi utilizado como base a licença d20, foi a partir dali que surgiu o equilíbrio geral entre raças e classes. Um dos diferenciais na nossa proposta no Arcânia é um jogo onde não se dependa de itens mágicos. Embora esses itens ofereçam um diferencial, não serão muletas. Para compatibilizar essa nossa proposta com a licença d20, as raças e classes são mais fortes que o já conhecido desta licença, justamente para serem funcionais sem necessitar de itens mágicos.

Quando começamos a esboçar a idéia do Arcânia – Terra-Plana, notamos que os personagens de níveis elevados eram funcionais apenas se parecessem uma árvore de Natal de itens mágicos. Sendo que, nas histórias fantásticas, um item era algo histórico que marcava e, muitas das vezes, era a peça chave para a solução de todo um arco dramático de campanha. Retiramos então a ‘lojinha’ de itens mágicos, tanto que apresentamos exemplos, mas não valores para itens. Posteriormente faremos algo de artífices e quem possa produzir itens. Listamos os únicos conhecidos em todo o mundo justamente para ser algo bem restrito. Se os jogadores quiserem algum desses itens, deverão sair em aventuras e enfrentar uma campanha para consegui-lo. Isso aumenta a carga dramática, a importância e os jogadores sentirão a diferença e, consequentemente, darão muito mais valor a um item conquistado, do que um apenas comprado.

No mundo de Arcânia, existem locais onde é possível comprar e negociar itens, há, inclusive, um sub-plano do Deus do Comércio especificamente para isto. Mas é algo raro, misterioso e principalmente: CARO. Ou seja, personagens iniciantes jamais terão acesso. Isto para não desestabilizar o jogo e ter mais opções para quando os personagens alcancem níveis elevados.

Quando pensamos em RPG de mesa, temos um conjunto de elementos de DPE pré estabelecidos. Você viram a possibilidade de alguma quebra de padrão ou enfatizaram o padrão?

Arcânia – Terra-Plana nasceu da necessidade que tínhamos de montar um cenário onde colocaríamos todo o background pessoal de cada um, por essa razão serão encontrados elementos de livros, filmes, animes e videogames, pois foram a nossa influência de vida. A nossa opção de design foi focar nas janelas de oportunidade para interpretação: o que cada personagem fará para passar para o papel e então do papel para a interpretação? É um sistema com enfâse no diálogo constante entre a mesa e os jogadores. Além dessa perspectiva, nada impede que combos de regras sejam feitos para causar danos maiores ou funcionamento otimizado de determinadas habilidades. Afinal, regras são feitas para se seguir e quem tiver o insight de combinar determinadas habilidades, atingirá sim um combo maior que outros que não se importem tanto com isso.

O sistema D20 carrega uma lógica de níveis de evolução, como foi projetada a curva de progressão em Arcânia – Terra Plana? Em quantas sessões terei a sensação de poder?

Como no OGL, o padrão de níveis básicos ainda vai do 1 ao 20. Dizer a quantidade de sessões é injusto. Tem grupos que jogam entre duas e quatro horas em uma sessão, enquanto outros jogam quatorze a dezesseis horas (sim, eles ainda existem). Mas acredito que ao se atingir o terceiro nível, já é possível ter uma boa sensação do que cada classe e raça é capaz de fazer. Acredito que em uma sessão média de quatro a seis horas bem jogadas é possível atingir esse nível.

Encerramento

Agradecemos pela longa e detalhada entrevista concedida a mim e desejo muito sucesso na empreitada. Afinal criar o cenário é só o primeiro passo, agora a grande empreitada é torna-lo jogado por muitos jogadores!

Eilandril
Eilandrilhttps://www.orcnroll.com
Narrador e jogador de RPG há 15 anos. Estudante apaixonado por teatro e literatura fantástica.
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